sábado

Eleições: Curral Eleitoral

(Para o amigo Fioravante – setembro de 2008)

Tardezinha ...as eleições se aproximando ... eu, fazendo minha caminhada, recordei me de um fato que aconteceu há muitos anos, mas ainda trago-o bem vívido na memória ... Ouvi no salão de barbeiro do papai, ponto de causos e prosas, assuntos sobre a eleição de 47 e o caso do Zé Forgado...

Antes, queda do poder, interventores, e a política pegava fogo entre os partidos mais conhecidos como Pato x Peru. Era um tal de alistar eleitores, cabos eleitorais zanzando para tudo quanto canto na caça de pessoas para se filiar neste ou aquele partido. Não havia papel que chegasse para os requerimentos de títulos, aviões teco-teco jogando panfletos pelo ar caindo por toda cidade e nós, meninos, fazendo a festa... Músicas dos candidatos cantada pelos eleitores, muitas discussões e insultos após os comícios . Era comum famílias deixarem os títulos com os coronéis, recebendo-os de volta no dia da eleição junto com as cédulas, somente na hora de votar. Certas pessoas recebiam metade da nota antes e a outra somente após a apuração (eram os chamados votos de cabresto). Nos currais eleitorais serviam comida: chegavam grandes tachos de macarronada e carne cozida, pares de botinas, cédulas prontas, se ensinava aos analfabetos a desenhar o nome ( era o voto de curral) ...caminhões chegando nas concentrações dos partidos com eleitores vindo da roça...

E numa tarde, véspera da eleição, o bar da esquina se enche de cabos eleitorais, chamam o povo, lotam o bar, baixam as portas e Zé Forgado, sem saber o partido dos tais cabos, fica até de madrugada bebendo. Era birita pra cá, cerveja tirada do caixotão de areia pra lá, e de repente um dos cabos grita “vamos dar um viva para nosso já vitorioso prefeito!” Todos enchem seus copos e Zé Forgado, já tonto, sobe na mesa, sapateia, pede atenção e dá um viva bem alto “ Viva o ... nosso líder já eleito”...

Retruca um cabo muito bêbado : “ Seu besta, caipira, idiota, o nosso prefeito é o outro!” ... e sapecaram nele uma surra que precisou ser carregado para casa todo machucado...
Em novembro de 1947 ocorreu sem dúvida a eleição municipal mais disputada da história dessa terra sesquicentenária. Venceu o PSD coligado com o PTB ( Pato) com 4.936 votos,contra 4.918 votos do PR (Peru). Com esta incrível diferença de 18 votos, em quase dez mil eleitores.
Passam os anos, mudam se os costumes e tradições. Só não mudam quando um desses filmes passa na cabeça de um menino que ouvia atento os causos e as histórias enquanto engraxava sapatos e botinas no salão de barbeiro do papai.

... E como é bom soltar o que está armazenado na memória da gente...

PAÇOCA no Pilão:

PAÇOCA no Pilão: êta trem bão!

Renilda e Sebastião

Ingredientes:

Carne a gosto, sal, farinha de milho com biju, vários dentes de alho descascados e pimenta (de preferência Cumari).

Modo de preparo:

Retalhar a carne, salgar com bastante sal, deixar por três dias dependurada ao sol. Depois lavá-la para tirar a salmora, picar em pedaços pequenos, colocar no pilão junto com a farinha de milho (de preferência com muito biju), alho e pimenta a gosto.

Pegar a mão de pilão e socar com carinho até a carne desfiar e infiltrar na farinha. Aí já se começa a sentir o aroma de uma gostosa paçoca, que nos faz recordar do pilão de nossa casa, socando o arroz, fazendo paçoca de amendoim, do fogão de lenha, do bule esmaltado na trempe... a chaleira fervendo a água e levantando a tampa, a grande lata de gordura para guardar as postas de carne, o arame estendido acima do fogão com lingüiça dependurada, toucinho, chouriço e as espigas de milho de pipoca.
Fazendo parte do fogão, um forninho para assar as quitandas ou guardar as comidas, sempre quentes.
O torrador de café, um moinho fazendo sentir um gostoso aroma de café moído, e o grande tacho de cobre para fazer os mais diversos doces caseiros de uma época não muito distante, quando à tarde, eram colocados bancos, cadeiras, tamboretes, nas portas das casas e os vizinhos tinham tempo e o prazer de se sentarem para um dedo de prosa...
E assim o tempo vai passando e a gente memoriando.


Passos / Junho – 2008

segunda-feira

A história da Jardineira e do Seu Mundo


E tranqüilo e calmo passavam os dias dos anos 40 e 50. Eu me vi menino, com meus 8 anos,num cantinho do salão de barbeiro do Papai , sentado no meu sagrado banquinho, engraxando e lustrando as botinas enquanto Papai ensaboava o rosto do freguês, e num vai e vem num passador de pita deixava a navalha mais afiada.E a memória ia armazenando casos e histórias dos fregueses.


Era só chegar Seu Mundo, (Raimundo) no salão e os casos aconteciam ...
Seu Mundo, negro alto, sempre com um terno já encardido pelo tempo, parecendo branco, chapéu de feltro, aba pequena, colarinho da camisa abotoado, tampando um pequeno papo. Dizia que era porque quando criança bebia muita água de chuva das bicas das casas que eram de telhas de barro muito velhas.
Nesta época, quem vinha de manhã para a cidade e fosse retornar para a roça à tarde, se não optasse por fazer a viagem nos caminhões leiteiros, tinha que tomar como condução as velhas jardineiras Chevrolet, com seu bagageiro (maleiro) que ficava em cima, nas costas. Subia–se atrás por uma escada de ferro, e protegidos por uma grade de canos entrelaçados, ficavam a bagagem e alguns passageiros quando dentro dela já estava lotado.
Na pequena rodoviária na praça do rosário, com seus famosos banheiros ( perfumados ) , uma jardineira se destacava pela sua cor : verde e amarelo. Seu chofer era Zé Kaolho, o dono Jorge Agelune fazia o trabalho de cobrador e ajudante.
Às 14 horas, num pequeno cômodo (estúdio), D.G. liga o auto-falante, coloca a cabeça para fora, vê nuvens escuras e avisa que poderá chover a qualquer hora. Toca uma campainha e deseja booooooooooa viagem !
Descendo pela Neca Medeiros, a jardineira entrava pela praça Blandina de Andrade. Ali, uma grande ponte de madeira separava a praça da Rua da Praia, que tinha à esquerda o velho casarão dos Santiago com sua venda. À direita, o bonito sobrado do Neca Lúcio, com a data na fachada: 1918.


Um pouco acima, nós, meninos, a cada moeda que ganhávamos, o destino era bater na grande porta da casa da Júlia Passo-Preto e comprar as gostosas geléias pretas que só ela sabia fazer. Só de lembrar confesso que senti na pontinha da língua um gosto gostoso de saudade!
E o grande pontilhão? Quantas lembranças nos traz da Maria–fumaça!
O guarda, com seu imponente boné e sua farda, parecendo general, após três apitos, começava lentamente a locomover. A cada travessia, uma placa “apite“. Aí toda a cidade ouvia seu apito rouco e solitário. Quando entrava a noite, ia soltando fagulhas, parecendo estrelas caindo no chão.
Só quem ouviu este apito e dele se lembra, pode sentir a saudade de um tempo deste trenzinho, vagaroso, com paradas vagarosas em cada estação. E a viagem seguia, embalada pelo sacolejo do trem.
Um dos casos que ouvi de Seu Mundo fazia todos rirem no salão...


A jardineira sempre fazia as viagens com sua lotação esgotada (sentados 36 e de pé 30). A maioria dos passageiros eram os colonos das fazendas. Quando lotada, muitos iam no maleiro. Subiam pela escada e se acomodavam, sentando nos engradados que protegiam a lataria, e segurando nas grades das laterais para se protegerem. Na jardineira se levava de tudo. Galinhas e frangos presos em um pau, patos, leitões para engorda dentro de saco, embornais e sacos de mantimentos, tudo acomodado entre as pernas. As vezes se levava até caixão, que ficava em alguma venda esperando por um defunto daquela região.
As jardineiras tinham sempre o capô tampando o motor que roncava e fazia que se ouvisse o ranger da lataria. De vez em quando, tinha se que desligar o motor pois o radiador fervia. Dentro do carro o calor era insuportável. Os vidros das janelas sempre ficavam fechados para evitar que a poeira entrasse. Preferia-se o calor a poeira.


Num certo dia feio, nublado com nuvens escuras, pronto para chover, seu Mundo (Raimundo) esperava pela jardineira para retornar à roça. Chega então ela, cheia, lotada, com todos os passageiros com medo da chuva. Seu Mundo sobe a escada e se acomoda sozinho em cima, no bagageiro, e vê no meio daquelas malas um caixão. Estava vazio, com certeza ia para alguma venda, esperar algum defunto. Vem a chuva. Para se proteger da água fria e com medo dos raios, seu Mundo abre a tampa e deita dentro do caixão, fechando-o.E pega no sono...
No decorrer do trajeto, com a estiada da chuva, vários passageiros que esperavam a jardineira pela estrada, como não cabiam naquele aperto de dentro, sobem a escada e se ajeitam nas laterais do maleiro. Ouvia-se apenas o barulho das galinhas, patos e leitões que levados para cima se acomodavam entre as pernas dos passageiros. Havia um grande silêncio em respeito ao caixão com um suposto defunto ali dentro.


A chuva pára. Pouco depois seu Mundo levanta a tampa do caixão e pergunta: “Uai, parô de chuvê?” Aí foi um Deus nos acuda. Gente pulando de cima e gritando. Os mais velhos descendo pela escada, um por cima do outro. Patos voando, malotes, sacos e embornais, galinhas, leitões, tudo caindo, e o povo correndo para o mato e pela estrada. E os passageiros de dentro da jardineira com o chofer, vendo aquilo, não sabiam o que tinha acontecido.
Parou a jardineira. Seu Mundo desceu com toda calma, explicou o ocorrido. Gritaram chamando o pessoal escondido pelo mato afora. Esclareceu-se que ali não tinha defunto nenhum, apenas seu Mundo escondendo da chuva. Reuniu todo o pessoal que seguiram viagem, mas as galinhas, patos e leitões ficaram perdidos pelo mato.
SWB - 2003

Coisas de criança

*Para meu neto Alex Júnior

“Criança feliz que vive a cantar...”

Vendo meu neto brincar com seus carrinhos e brinquedos eletrônicos, nesta era dos vídeo–games, computadores, DVDs e de tudo que se possa imaginar , encostei a cabeça no sofá e fiz uma viagem no tempo de minha infância. Viajei descalço, correndo pelas ruas de chão batido. Voltei ao mesmo lugar de quando criança, e percebi que o propósito da vida de toda criança é o brinquedo.
Para a criança, basta pouca coisa. Brincar de pique, empinar pipa, brincar na água e outras coisas são razões para viver sorrindo. Para elas tem sentido aquilo que entra pelos olhos, pelo ouvido, nariz e boca. Para a criança não tem rezas, terços ou orações. Ela não é curiosa com as coisas de Deus (por estar sempre em paz com Ele).
Nós, adultos, vamos deixar de ser sérios por um dia, desabotoar o colarinho, vestir um short, deixar a voz mandante, tentar ainda jogar pião, correr pela rua empinando pipa, rir com a molecada, jogar bolinha de gude na toca, deixar um pouco o trabalho, voltar a brincar, reaprender a fazer nossos brinquedos.
Quem não sabe brincar e fazer seus brinquedos nunca foi criança.
Vamos criar na imaginação, juntos com os netos, fazer de sabugos de milhos os bois, de lata de sardinha os carros, telefone de barbante e caixa de fósforo, como se fazia uma forquilha para estilingue, ou contar a eles como era fazer uma viagem de maria-fumaça, ver o trem percorrer os trilhos da estrada de ferro e encostar na plataforma das saudosas estações.
Vamos por um dia ainda nos sentir “menino”, soprar bolhas de sabão, chupar frutas e lambuzar a boca, limpar com o dorso da mão, contar aos netos as histórias que, sentados, caladinhos, ouvíamos quando criança.
O adulto passa a ficar carrancudo quando perde a graça e a leveza brincalhona de uma criança, mas, quando a gente se descobre outra vez criança, torna o corpo mais leve, qualquer coisa provoca sorrisos e faz bem para a alma.
Mas para fazer tudo isso de novo, precisamos voltar a ser criança, porque o tempo na infância é comprido, anda devagar, demora a passar, as férias custam a chegar, e na velhice os anos passam em dias, semanas.
Aí os adultos, ao lerem este artigo, vão dizer: “isto é coisa de criança”.

Sebastião - outubro 2006

domingo

Sobre política e jardinagem, de Rubem Alves

De todas as vocações, a política é a mais nobre. Vocação, do latim "vocare", quer dizer "chamado". Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um "fazer". No lugar desse "fazer" o vocacionado quer "fazer amor" com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.
"Política" vem de "polis", cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos os moradores da cidade.
Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades; sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com oases. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu "o que é política?", ele nos responderia, " a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas".
O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.
Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos. Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperança.
Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante.
Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.
Todas as vocações podem ser transformadas em profissões O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o deserto e o sofrimento.
Assim é a política. São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a profissão política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, perguntado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: "Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade.... Ao contrário dos "legítimos" políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem." Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.
Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de conviver com gigolês.
Escrevo para vocês, jovens, para seduzí-los à vocação política. Talvez haja jardineiros adormecidos dentro de vocês.
A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas, legítimas, se forem vocação. Mas todas elas afunilantes: vão colocá-los num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?
Acabamos de celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são crueis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem.
Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros.
Eram lenhadores e madeireros. E foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim para a felicidade de todos foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde uns poucos encontram vida e prazer.
Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um novo destino. Então, ao invés de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam.

Quem entende essa língua de sapateiro?


Algum tempo atrás, a Globo, isso mesmo, a Rede Globo procurou a Sapataria Nossa Senhora da Penha e falou com essa turma sobre a língua de sapateiro. Já pensou? Tem base?


Quem entende essa língua de sapateiro?


Existem línguas de todos os tipos. E dos milhares de dialetos em extinção que ainda se falam no planeta, um é exclusivo de Passos/MG. É a antiga língua-ou "lingüiça"- de sapateiro, feita pra guardar segredos e fazer graça.


Ainda hoje você corre o risco de entrar numa sapataria em Passos e ouvir uma conversa esquisita. Frases estranhas, desconexas. Mas essa é uma linguagem antiga, surgida ninguém sabe quando, que faz muito sentido para os sapateiros. Pelo menos para os mais velhos. Gente como o seu Sebastião Borges, que gosta de surpreender as moças da cidade. Diz um amontoado de absurdos e depois explica que está ...elogiando. Mas a verdade é que ninguém pode ter muita certeza, porque não existe dicionário da tal língua.


A transmissão sempre foi feita no boca a boca, de pai para filho. Os mais novos aprendiam ouvindo os mais velhos. E a intenção não era só fazer brincadeira. Os sapateiros também usavam o recurso para dizer coisas "politicamente incorretas". Ou para falar mal de alguém. Ou para fazer fofocas. Tudo em código!A repórter da EPTV Sul de Minas, Juliana Bressan, esteve numa sapataria em Passos, onde ainda hoje é possível reunir os "lingüistas" do tempo do zagaia. E articulou uma frase inteirinha, aprendida na hora: "andorinha omega feijão chateaubriand tavico a quilômetro". Vamos entender, termo a termo.


Para os sapateiros, o nome de um passarinho (andorinha), aliado à última letra do alfabeto grego(ômega), mais o feijão nosso de todo dia, o sobrenome Chateaubriand, junto com um "otávio pequeno" (tavico) mais quilômetro- tudo isso junto- significa:-"Freguês feio e chato acaba de chegar!"Ah, cuidado com eles! Outra "frase de sapateiro": "presente rabanete presunto dinamite". Essa aí era dita sempre que um ex-juiz da velhíssima guarda passava por perto. E não era nada boa. Queria dizer: "ele tem rabo preso na cidade". De novo, cuidado com eles! Os sapateiros de Passos contam que brincavam muito com um velho bispo. Ele, bom homem, muito bonachão, se divertia com a língua que não entendia.


E eles aproveitavam para falar o que deviam...e o que não deviam...Ah, esses sapateiros! Até hoje eles riem muito com todas essas lembranças. Só lamentam que a língua esteja em extinção, porque, convenhamos, além de ser a linguagem de um grupo pequeno, é também sigilosa. Secretíssima.


Só para iniciados, vão aqui algumas palavras:

pingola-pinga

quirino-quer

frenete ou feijão- feio

morcega ou mobília- mulher

dinamite ou ditadura- dinheiro


Sabendo disso tudo, quando você for a Passos e precisar de uma meia sola, já chegue rasgando: "Dou pouca dinamite e não quirino pingola!"Quem sabe assim você ganha, além do desconto, a amizade dos sapateiros da pá virada e umas boas gargalhadas.


Veja aqui o vídeo



quinta-feira

1948 - Esportivo 1 x 4 Flamengo


No final de 1948, José Figueiredo (Zé Magro), na época presidente do Esportivo, anunciou que traria o Flamengo do Rio de Janeiro a Passos, devido a sua amizade com o presidente do Flamengo. Dario Mello Pinto, que era da cidade de Santa Rita de Cássia. O assunto de todo esportista da época era um só: “será verdade?”, pois o mais querido do Brasil, o Clube de Regatas Flamengo, com seus jogadores, monstros consagrados no futebol brasileiro como Luiz Borracha, melhor goleiro da época, Jair da Rosa, Biguá, Jaime, Bria, Norival, o já famoso Esquerdinha. Era difícil de acreditar.Foi marcada a data, 6 de fevereiro de 1949.



O Flamengo chega a Passos na Sexta-feira, dia 4, de avião. E recebido com muita festa no aeroporto de Passos, nas mediações onde é a Apae. Ficou hospedado no Elite Hotel, hoje Grande Hotel. Na porta do hotel formava-se, o dia todo, uma grande multidão para ver os jogadores. Biguá falou para os torcedores, que sua origem, na verdade, era indígena.No dia do jogo era só expectativa, O Esportivo era um time acostumado com grandes jogos e queria vencer o Flamengo a todo custo.Um grande torcedor do Flamengo, Pedro Piantino, comprou quatro caixas de foguete, e falava pra todos que era uma caixa para cada gol do Flamengo.


Na delegação do Flamengo o treinador era Togo Renan Soares, o Kanela, que depois deixou o futebol para ser o melhor treinador de basquete do Brasil, sendo bicampeão mundial de basquete dirigindo a seleção brasileira nos anos de 59 e 63.No início do jogo foi só festa do Esportivo, que marcou logo aos oito minutos através de Corote. Depois desse gol aconteceram várias apostas e muitas discussões entre torcedores do Esportivo e do Flamengo. Placar este que veio terminar o primeiro tempo. Jogadores do Flamengo de cabeça baixa indo para o vestiário, quando foram vaiados pela torcida do Esportivo e aplaudidos pelas centenas de torcedores do Flamengo, como Juca do Lau e seus amigos do bairro da Penha. Torcedores como Otávio Vasconcelos e seus irmãos Celito e Célio, Cassiano Doceiro, Zé Horta, Vinícios Horta, Wilson Calandra, Joanito, Lico Pereira torcedor da Portuguesa, Elmar Hipólito, os garotos Magno Amorelli e o Davi (que hoje é pintor). O menino Cóssimo Baltazar de Freitas, com 6 anos de idade entrou sem pagar.

O porteiro José Fernandes da Silveira (Bode) deixou ele entrar de graça. Ananias Emerenciano, Ferreira Dias, Darci Barbeiro, Emerson Carvalho (torcedor do Bangu e do Corinthians), Sô Tião do Hotel Sudoeste, que nesta época morava na ventania e me contou que veio para o jogo e tem ainda na memória os quatro gols do Flamengo.O Sô Tiâo, assim como Sebastião Wenceslau Borges, conseguiram fazer com que centenas de meninos, hoje adultos, torcessem para o Flamengo. Sebastião, na oficina, em véspera de jogo, dizia para os meninos torcerem para o Flamengo ganhar que na segunda-feira teria Coca-Cola e pão com presunto e, na Ventania, Só Tião, que tinha uma sorveteira, prometia picolé para todos os meninos.


O Dr. Osmar Brasileiro é um dos flamenguistas desse tempo. Também no campo, Gazinho, puxando seu famoso cachorrinho pela coleira preta e vermelha, Júlio Conte e Pedro Piantino, dele, no intervalo roubaram uma caixa de foguetes e soltaram para o Esportivo.Veio o Flamengo para o segundo tempo e o bombardeio começou logo no inicio com Gringo, muito marcado, deslocando pelas pontas e empatando aos quinze minutos. Aos vinte minutos Luizinho desempatou fazendo a torcida flamenguista vibrar no estádio. Aos vinte e cinco Durval ampliou para três. E Esquerdinha, marcado por Choreti, encerra o placar fazendo o quarto gol, fazendo os flamenguistas irem à loucura. Pedro Piantino fala que dividiu as três caixas de foguetes nos quatro gols e fez muito barulho com os fogos.
Final do jogo: Flamengo 4x1 Esportivo.


Flamengo: Doli, Nilton e Norival, Biguá, Bria e Jaime, Luizinho, Jair, Gringo, Durval e Esquerdinha. Ainda entraram Luiz Borracha que era o titular, Valter Miraglia, Beto, Bodinho e Arlindo. O treinador era Kanela.

Escalação do Esportivo: lá, Isidoro, Peres, Wilson, Costa, Choreti, Jorge, Wilson Santana, 1-1 ermelino,Corotc e Zé de Souza. Entraram: Dedem, Bié, Cliver, Zezé e Campineiro.

O juiz era da Liga do Rio de Janeiro: Aristocílio Rocha.
Bandeirinhas: Florípes Barbeiro e Alfredo Dias.

Lindinho me contou que, a pedido de seu irmão José Figueiredo, trouxe para esse jogo bons jogadores profissionais da região, como Corote, meio campo de Muzambinho, autor do gol do Esportivo, Ermelino, que veio de São José do Rio Pardo e acabou ficando em Passos, e muitos outros. Lindinho também conta que a maior satisfação do goleiro Ié foi defender uma falta, cobrada na meia lua da grande área pelo famoso Jair da Rosa, devido a violência do chute.Duraram muitos e muitos anos os comentários deste jogo, principalmente no salão do papai. Foi um jogo que fica até hoje marcado na memória daqueles que o assistiram. SWB